“Hoje, o Brasil é mais democrático que os EUA”, afirma Steven Levitsky, de Harvard

Em um cenário geopolítico marcado por lideranças autoritárias e instituições fragilizadas, uma afirmação feita por Steven Levitsky — professor de Harvard e autor de Como as Democracias Morrem — lança luz sobre uma inversão pouco convencional: o Brasil, segundo ele, se apresenta hoje como um sistema democrático mais funcional que os próprios Estados Unidos.

A declaração, dada em entrevista à BBC News Brasil, parece romper com o senso comum que por décadas conferiu aos EUA o papel de guardião global da democracia. Para Levitsky, no entanto, a realidade atual é outra.

“Acho que hoje o Brasil é um sistema mais democrático do que os Estados Unidos. Esse pode não ser o caso daqui a um ano, mas hoje as instituições brasileiras estão funcionando melhor”, avaliou o cientista político.

A comparação vem na esteira de eventos recentes que colocaram à prova a solidez democrática dos dois países. De um lado, a tentativa de Jair Bolsonaro de subverter os resultados das eleições de 2022 foi freada por decisões firmes do Supremo Tribunal Federal. Do outro, Donald Trump — mesmo após incitar uma invasão ao Capitólio em 2021 — não só se manteve politicamente ativo, como retornou à presidência norte-americana em 2025.

Instituições brasileiras reagiram; as americanas, não

Aos olhos de Levitsky, o que diferencia as trajetórias das duas democracias não está apenas nos fatos, mas na resposta institucional a eles. No Brasil, houve responsabilização. Nos EUA, prevaleceu a leniência. A democracia americana, diz ele, já saiu dos trilhos.

“Recaímos em uma forma branda e reversível de autoritarismo”, explica, ao apontar a intimidação de opositores, o uso político do sistema judicial e o enfraquecimento dos pesos e contrapesos nos EUA. “Todos os nossos famosos mecanismos de contenção falharam.”

Pressões externas e bullying diplomático

A crítica de Levitsky à atual política externa americana também é direta. A decisão de Donald Trump de impor tarifas sobre produtos brasileiros e sancionar ministros do STF, em retaliação ao julgamento de Bolsonaro, é lida pelo professor como um ato de “bullying” diplomático — um desvio da tradição da política externa americana e um exemplo de interferência personalizada e desinformada.

“Não se trata de uma política séria, mas de um país muito grande, rico e poderoso fazendo política externa de uma república das bananas.”

Para o cientista, há pouco de racional nas decisões recentes da Casa Branca. O que se vê é um presidente norte-americano movido por afinidades pessoais, especialmente com figuras como os Bolsonaro, e disposto a usar o peso dos EUA para intimidar aliados que se recusam a se alinhar automaticamente a seus interesses.

O papel do STF e os riscos de um protagonismo prolongado

Levitsky reconhece o papel central do Supremo Tribunal Federal na contenção da escalada autoritária no Brasil, mas faz uma advertência. Segundo ele, o tribunal precisará, em algum momento, “voltar ao seu devido lugar”. Um Judiciário protagonista por tempo demais pode ameaçar o próprio equilíbrio democrático que ajudou a preservar.

Ainda assim, ele ressalta que, no caso do julgamento de Bolsonaro, o STF está atuando dentro dos limites constitucionais. “Julgar Bolsonaro e puni-lo, se for o caso, é o trabalho do tribunal.”

Uma lição em tempos de retrocesso global

A fala de Levitsky vai além de uma simples comparação. Ela funciona como alerta e como espelho. Se o Brasil — país historicamente visto como instável — consegue reagir com mais firmeza a ameaças autoritárias do que os Estados Unidos, então talvez seja hora de repensar o que, de fato, sustenta uma democracia.

Nesse novo xadrez global, onde potências como EUA e Rússia são lideradas por figuras que desafiam regras e instituições, a resposta brasileira ganha contornos mais relevantes do que se poderia imaginar. Ainda mais em um mundo onde o autoritarismo se reinventa sob a aparência de legalidade e retórica eleitoral.

A resistência democrática, ao que tudo indica, não depende mais do tamanho do país — mas da coragem de suas instituições.

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