Perigo real ou ‘lenda urbana’? É possível que o hábito de guardar o celular no sutiã possa trazer riscos à saúde? Acompanhe as explicações dos especialistas e entenda
A cena é muito comum: seja para esconder o celular enquanto caminha pelas ruas das cidades, ou na balada para proteger o aparelho e deixá-lo mais acessível caso precise atender rapidamente, muitas pessoas possuem o hábito de guardar o smartphone dentro da parte de cima da roupa, mais especificamente no sutiã. Mas será que esse comportamento é tão inofensivo quanto parece? A partir desse questionamento, ao longo dos anos, uma série de estudos foi conduzida para tentar esclarecer esse assunto.
Os celulares se popularizaram no Brasil por volta da década de 1990, e daí em diante tornaram-se cada vez mais presentes na vida das pessoas. Dito isso, não é exagero afirmar que, hoje, o smartphone é indispensável para o usuário, que passa cada vez mais tempo em seus aparelhos. Acompanhe no guia a seguir o que a ciência e a medicina dizem sobre o tema e se realmente há relação entre guardar o aparelho no sutiã e o desenvolvimento de câncer de mama.
Celular no sutiã pode provocar câncer de mama? Entenda
- De onde surgiu essa preocupação?
- O que diz a ciência?
- O que dizem os especialistas?
- Boas práticas recomendadas
1. De onde surgiu essa preocupação?
O principal motivo da inquietação em relação aos riscos do uso de celular à saúde decorre da palavra “radiação”. Os smartphones emitem radiação de radiofrequência – os de quinta geração podem emitir uma faixa de frequência de até 80 GHz. Além disso, uma outra questão levantada se refere ao tempo de uso do aparelho e aos possíveis impactos negativos do uso do item próximo à cabeça, o que poderia, segundo o senso comum, favorecer o aparecimento de cânceres cerebrais.
Em diversos portais de medicina, é possível encontrar pesquisas de até três décadas que investigaram os efeitos da exposição à radiação dos aparelhos móveis na saúde dos usuários. No fim da década de 1990, com base nas apurações, especialistas recomendaram pesquisas sobre esses efeitos, que contaram com a participação de cerca de 13 países para promover o conjunto de estudos chamado Interphone.
O conteúdo desse estudo apresenta investigações a respeito, principalmente, de quatro tipos de tumores em áreas que recebem mais energia de radiofrequência por uso de celular, entre eles o câncer de cérebro. Segundo a Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC), as pesquisas do Interphone foram concluídas em 2012.
2. O que diz a ciência?
Os resultados do estudo Interfone não apontaram aumento de casos de tumores devido ao uso de celulares, ressaltando que alguns casos podem estar relacionados ao acaso ou a efeitos causais. Ainda que a pesquisa tivesse, por fim, sugerido que os efeitos prolongados do uso do aparelho deveriam ser investigados, o fato é que não houve confirmação das suspeitas apresentadas.
Diversos artigos disponíveis na National Library of Medicine, portal do National Center for Biotechnology Information, visam a abordar estudos que avaliam os impactos da exposição prolongada à radiação do celular na saúde dos indivíduos, em especial a associação entre o uso do objeto e a incidência de câncer de mama. Um deles, publicado em 2013, investigou casos de 4 mulheres jovens com a doença e a provável influência da radiação não ionizante dos telefones celulares, já que elas possuíam o hábito de carregá-los em seus sutiãs diariamente por longos períodos por alguns anos.
O estudo aponta que, apesar da necessidade de observar os eventos ocorridos com as participantes da pesquisa, não é possível constatar que o celular em contato com as mamas aumenta o risco de câncer na região devido à falta de dados específicos relacionados ao número de mulheres que utilizam o aparelho no sutiã e não desenvolvem a doença, por exemplo. Por fim, a publicação recomenda que os usuários de smartphones sigam rigorosamente as instruções das fabricantes, que orientam que se evite o contato do produto com a pele, até que sejam obtidas respostas mais assertivas sobre o tema.
Os dois principais tipos de radiação são a ionizante e a não ionizante. Esta última, que possui baixas frequência e energia, é a emitida pelos aparelhos de celular. De acordo com a ginecologista e mastologista Dra. Martha Marsillac, especialista em tratamento e prevenção do câncer de mama, a quantidade de radiação que os celulares lançam por meio da radiofrequência é muito pequena, o que não é suficiente para causar dano celular, diferentemente da radiação ionizante, de alta frequência, que pode causar alterações no DNA, aumentando os riscos de surgimento de câncer.
“A radiação dos smartphones é do tipo não ionizante, ou seja, não causa danos ao DNA das células.” — Dra. Martha Marsillac, ginecologista e mastologista.
3. O que dizem os especialistas?
Os aparelhos móveis enviam e recebem sinais através de torres de celular próximas, por meio das ondas de radiofrequência (RF), uma forma de radiação não ionizante. Essas ondas são liberadas pela antena dos aparelhos, por isso, quanto mais perto o indivíduo estiver do telefone, mais contato ele terá com a radiação emitida. Ainda assim, uma recente publicação da American Cancer Society afirma que os estudos realizados até o momento apresentam limitações e indefinições, muito devido à dificuldade de acompanhar grupos de pessoas por muitos anos e à constante mudança de comportamento dos usuários em relação ao uso desses aparelhos.
“Estudos são realizados em relação ao uso do celular e tumores cerebrais, porém, até o momento, não existem evidências conclusivas.” — Dra. Martha Marsillac.
Em 2011, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), da Organização Mundial de Saúde (OMS), classificou a radiação RF como “possivelmente cancerígena para humanos”, porém a classificação foi revisada posteriormente por não haver evidências adequadas sobre os supostos riscos de surgimento de tumores entre os usuários do telefone celular. Ademais, segundo relatório técnico da Food and Drug Administration (FDA), publicado em 2020, não foi identificada nenhuma relação entre câncer de cérebro, pescoço, cabeça, mama ou outro tipo ao uso de aparelhos celulares.
Em relação à temperatura do smartphone em contato com o tecido mamário, a ginecologista e mastologista Martha Marsillac esclarece que isso não representa grande ameaça. “A única situação que pode ocorrer é o aquecimento da região, mas a temperatura não é suficiente para causar dano celular no local”, afirma a especialista em tratamento e prevenção do câncer de mama.
Em entrevista ao site da Fundação Oswaldo Cruz, a mastologista do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Viviane Esteves, também desmitifica o assunto e ratifica que não há comprovação científica de que colocar celular, cartões ou dinheiro no sutiã possa elevar o risco de câncer de mama.
4. Boas práticas recomendadas
Apesar das boas notícias, alguns cuidados devem ser considerados de acordo com os especialistas. Para a mastologista Dra. Martha Marsillac, a recomendação clínica é de que a pessoa evite adotar a prática para não gerar desconforto posterior por comprimir a região das mamas. Ainda, o National Breast Cancer Foundation, Inc. orienta carregar o celular na bolsa ou na carteira para minimizar os riscos de queimaduras na pele por conta do contato com o aparelho, caso esteja aquecido.
Além disso, a American Cancer Society e o National Cancer Institute listam alguns cuidados para os usuários a fim de mitigar possíveis problemas relacionados à aproximação direta do celular na pele e para diminuir à exposição à radiação RF. Entre eles, diminuir o tempo de uso do smartphone, utilizar viva-voz, fones de ouvido ou enviar mensagens em vez de fazer ligações, para diminuir o tempo de contato do equipamento com a cabeça.
Com informações de Organização Mundial de Saúde (OMS), American Cancer Society, Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), National Breast Cancer Foundation, Inc., Food and Drug Administration (FDA) e National Library of Medicine – National Center for Biotechnology Information.